segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Capítulo 4 - Não sei se me consegues ouvir

Fi:

Ainda estava atordoada, uma parte de mim não acreditava no que tinha acontecido… Porquê a ele? E porquê logo agora que estava tudo a correr tão bem? Cada vez tenho mais a certeza de que quando estamos felizes algo acontece para nos estragar a felicidade! Ouço alguém a aproximar-se e duas vozes, uma reconheço perfeitamente, é a da minha mãe, mas a outra… Acho que nunca a ouvi… Talvez seria o médico que estava a tratar do meu Bernardo… Claro! A mãe tinha dito que voltava quando tivesse notícias! Por favor, que sejam boas notícias, não vou aguentar perder o Bernardo… - Mal pensei em tal coisa, o meu rosto foi invadido por rio de lágrimas, não conseguia parar de chorar, era mais forte que eu.

Chico – Amor, tem calma, ouve o que a tua mãe tem para dizer! – diz afagando-me as lágrimas
Fi – Não consigo, desculpa – digo abrindo os olhos muito lentamente
Maria - … O Bernardo entrou em estado coma, com o impacto violento do carro e tem umas hemorragias internas.
Doutor – Sim, mas nada de grave.
Fi – Estado coma? – disse alarmada
Maria – Tem calma, meu amor, nestes casos é normal isto acontecer… - diz tentado acalmar-me
Fi – O meu melhor amigo está em estado coma e a mãe diz-me que é normal! – disse irritada
Doutor – É perfeitamente normal que se esteja a sentir assim, vou buscar-lhe um calmante.
Fi – Eu não quero calmante nenhum, eu quero o meu melhor amigo! – disse entre soluços e lágrimas
Chico – Filipa, tem calma, vai tudo correr bem, vais ver! – diz abraçando-me
Fi – E se não correr? – perguntei a muito medo
Carmo – Nem penses em dizer isso, o Bernardo é forte! Ele vai conseguir, eu sei que vai… - diz abraçando-me também
Fi – Desculpe, tia Carmo!
Carmo – Eu compreendo o que estás a sentir…
Maria – O Bernardo já pode receber visitas – diz na esperança de nos animar
Carmo - Vai tu primeiro, meu amor – diz afagando-me as lágrimas
Fi – Não. Nem pense, tia. Vá primeiro com o tio – disse retribuindo-lhe o gesto
Maria – Só pode ir um de cada vez.
Fi – Mãe, abra uma excepção, vai só a tia e o tio, depois vamos nós um a um, prometo!
Maria – Está bem, acompanhem-me – diz indicando o caminho com o braço

Os pais do Bernas saíram da sala de espera e fiquei eu, a Matie e o Chico. O Chico nunca me largou um único instante. Eu sabia que isto também lhe estava a afectar, pois eles agora estavam a criar laços de amizade maiores, mas ele não o mostrava só para não me fazer sentir pior. Eu agora tinha a certeza que era o Chico quem eu queria e quem eu amava com todas as minhas forças! Mas não conseguia deixar de pensar que o meu Bernardo podia ficar agarrado a uma máquina para o resto da sua vida. Eu sei que ele pode acordar, mas também sei que ele pode ficar sempre assim a sofrer… Ele não merecia isto! Ele não! Ele é a pessoa com mais vida e amor por ela que existe neste mundo, não podem tirar-lhe o que ele mais gosta, o prazer de viver. Ele ainda tinha tantos sonhos por realizar e eu tantas coisas para lhe dizer… Mas isto não pode ficar assim! Não é justo… Senti algo tocar-me, mas não percebi o quê, estava perdida em pensamentos que só depois de alguns abanões é que percebi que era o pai de Bernas.

Carlos – Minha querida, a Carmo está lá à tua espera…
Fi – Não, a Matie é que vai agora – disse olhando para Matie
Matie – Não, vai tu, a sério! Peço-te… - diz fazendo algum esforço para olhar para mim
Fi – Tens a certeza?
Matie – Sim… - diz tentando projectar a voz, mas esta saia como um sussurro

Dirigi-me até ao quarto onde estava o Bernardo e ouvi a tia Carmo a falar com ele.

Carmo – Porquê a ti, meu filho? Porquê? – pergunta chorando – Nunca vi ninguém com tanta vida como tu! É uma injustiça alguém querer tirar-te de mim… Eu acredito que estás a ouvir tudo o que estou a dizer – diz soluçando – A culpa disto é toda minha! Eu devia ter-te ido buscar ao Colombo, se eu te fosse buscar, nada disto tinha acontecido e tu neste momento estavas deitadinho na tua caminha a dormir e nós não estaríamos nesta inquietação. Só irei sair deste hospital quando tu estiveres bom, nem que para isso tenha que viver cá o resto da minha vida, prometo-te!

Ao ouvir tais palavras, comecei a chorar desalmadamente e acabei por assustar a tia Carmo.

Carmo – Não sabia que estavas aí…
Fi – Desculpe, não era minha intenção ouvir a conversa, mas também não a queria interromper…
Carmo – Não tens que pedir desculpa, eu faria o mesmo – dá um beijo no rosto do filho e passa a mão pelo cabelo dele – Estou lá fora à tua espera, meu amor! A mãe ama-te muito, não te esqueças disso – e saí do quarto com as lágrimas a percorrerem-lhe o rosto.
Fi – Então campeão? – disse com as lágrimas a escorrem-me pela face – Tens que ter força, eu acredito que és capaz de superar isto! – fiz uma pausa e olhei para o Bernardo e meti a minha mão por cima da dele – Diz-me, porquê a ti? E logo agora… Tu não mereces isto, és a melhor pessoa que conheço a pessoa com mais vida… Troca comigo! Deixa-me deitar nessa cama, deixa-me ser eu a sentir essas dores, deixa-me ser eu a estar em coma… Faço tudo para te tirar daí! Diz-me uma maneira, só uma e eu faço… - limpei as lágrimas a um lencinho que tinha na mala  e disse – Não sei se me consegues ouvir ou não, mas… Eu não estou a aguentar, eu amo-te demasiado para ter ver assim… nesse estado… és sem dúvida o melhor irmão do mundo, sabes bem que te vejo como um irmão e não como um mero amigo, tu és como se fosses da família… Peço desculpa, por todas as vezes em que me chateei contigo, por todas as vezes que fui parva sem razão e por todas as vezes em que te devia dar um abraço e em vez disso dei uma chapada… Sabes? Eu nunca pensei em ver-te assim, a passares por isto tudo, mas acredita que tenho a maior fé do mundo e acredito que te vais safar desta! Como te tinha dito, não sei se me consegues ouvi ou não, mas eu acredito que sim… Sabes, eu e o Chico já estamos bem, ele explicou-me tudo… Eu amo-vos tanto, mas tanto! Vocês são os homens da minha vida! Não me deixes meu amor, peço-te… Desculpa, mas tenho que chamar a Matie… Ela está mesmo muito mal, ela mal consegue abrir os olhos. Eu sei que foi muito pouco tempo, mas eu depois volto, prometo! – agarrei na mala e procurei o meu telemóvel, agarrei nele e mandei uma mensagem à Matie, não queria deixar o Bernas ali sozinho…

«Matie, vem ter aqui ao quarto, não quero deixar o Bernas sozinho…»

Em menos de dois minutos, senti alguém atrás de mim, era a Matie e o Chico. Apressei-me a limpar as lágrimas, dei um beijo no rosto do Bernardo e disse: - Força campeão, amo-te! – e deixei lá a Matie com ele. Aproximei-me da porta, onde o Chico estava à minha espera e olhei para trás, vi a Matie deitada sobre a mão dele perdida em soluços e lágrimas. Tentei pôr-me no lugar dela e pensar como ela se estaria a sentir. Tinha começado a namorar hoje com o rapaz que ama e nesse mesmo dia vê-o ser atropelado e fica a saber que ele está em coma… Devia ser devastador! Mas também quem estava a sofrer imenso era a tia Carmo, como é que seria estar na posição dela? Nem quero imaginar o sofrimento que está a passar… Ver o filho ali deitado e não puder fazer nada deve ser aterrorizador… A lei natural da vida é vermos os nossos pais a sofrer e acabar por vê-los morrer, não o contrário…

Chico – Que se passa?
Fi – Sinto-me mal…
Chico – Queres que vá chamar alguém? – perguntou preocupado
Fi – Não, amor. Sinto-me mal no sentido de não puder fazer nada por ele, percebes?
Chico – Agora só ele é que pode fazer alguma coisa, bebé…
Fi – Eu sei, mas ao menos podia ajudar a mãe dele! Deve ser horrível estar a passar por isto tudo…
Chico – Eu sei, mas tu também estás mal. Não penses nisso, vamos para casa, vais deitar-te na cama e descansar, sim?
Fi – Desculpa, mas não quero… Se queres vai tu para minha casa, levas as minhas chaves – disse procurando as minhas chaves
Chico – Não te vou abandonar aqui, mas promete-me que amanhã vais a casa! – diz olhando-me nos olhos
Fi – Está bem, mas hoje fico aqui…
Chico – Combinado, diz agarrando a minha mão

Dirigimo-nos à sala de espera e reparei que a tia Carmo havia adormecido, havia sido derrotada pelo cansaço. Sentia-me bem ao vê-la dormir, pois era a única maneira desta descansar. Sentei-me ao lado do tio Carlos e abri a minha carteira para tirar algum dinheiro

Fi – Tio, quer café? – perguntei num sussurro
Carlos – Sim, minha querida – diz tentando alcançar a carteira dele
Fi – Deixe estar, eu pago este!
Carlos – Obrigada – diz fazendo um esforço para sorrir, ao qual retribui
Fi – Chico, também queres?
Chico – Sim, se faz favor. Parece que esta vai ser uma noite muito longa… - diz levantando-se
Fi – Nem me digas nada… Deixa-te estar, eu vou sozinha. Preciso de organizar um pouco as ideias…
Chico – Tens a certeza?
Fi – Tenho…
Chico – Qualquer coisa, liga.
Fi – Obrigada – disse dirigindo-me à saída da sala

Fui em direcção à máquina dos cafés que se encontrava num dos corredores. Nunca tinha visto estes corredores assim tão vazios, cada vez que aqui vinha estavam cheios de pessoas com exames para mostrar, outros para fazer, pensos para tirar, gessos para pôr, estes corredores eram os mais movimentados de todo o hospital, mas agora estavam vazios… Vazios de vida, mas cheios de tristeza… Não era assim que via este piso, lembro-me de ver algumas crianças a correr de um lado para o outro e senhoras a discutir sobre qual seria a sua próxima intervenção cirúrgica, mas agora não havia correrias, nem discussões. Agora, só havia tristeza, a tristeza que me consumia e que preenchia este corredor por completo. Estava a ser cada vez mais consumida pela tristeza que havia dentro de mim, a tristeza de estar a perder alguém que nos é importante, a tristeza de não se ter dito tudo o que havia para dizer. Será que ele sairia pelo seu próprio pé por onde tinha entrado, sendo transportado por uma maca que era empurrada por médicos que gritavam: «miúdo de 17 anos atropelado, entrou em paragem respiratória! Saiam da frente!»? Ele adorava contrariar tudo e mais alguma coisa e acredito que lhe daria um enorme prazer contrariar esta situação também.
Estava parada a olhar fixamente para a máquina, absorta em pensamentos que nem me tinha dado conta que já tinha parado e que estava em frente à máquina dos cafés. Aquilo seria possível? Estaria a ser tomada também pelo cansaço? Era melhor despachar-me, eles poderiam estar a ficar preocupados com a minha demora. Tirei os cafés e regressei à sala de espera, tentado não pensar no que estava a acontecer.

Fi – Aqui têm – disse entregando os cafés
Carlos – Obrigado – diz mais uma vez tentado sorrir
Chico – Obrigado – diz passando a mão pelo meu cabelo e puxando a minha cabeça para o seu ombro
Fi – Eu tenho que ir num instante à casa de banho, seguras no meu café?
Chico – Claro!
Fi – Obrigada – dei-lhe o café para a mão e levantei-me – Com licença…
Carlos e Chico – Força.

Enquanto me dirigia para a casa de banho lembrei-me de passar pelo quarto do Bernas para ver se a Matie precisava de alguma coisa. Dirigia-me ao quarto e de repente fui tomada por uma nova sensação, o nervosismo. Não sabia porque é que estava nervosa, mas a verdade é que estava e muito, mas porquê?
Encontrava-me agora à porta do quarto do Bernas. Bati à porta, mas como ninguém me respondeu, decidi avançar.

Fi – Posso? – Ninguém me respondeu e eu percebi logo o porquê, a Matie tinha acabado por adormecer
Fi – Matie… Acorda, estás toda torta, amor – disse preocupada  
Matie – Hã? – pergunta ensonada
Fi – Adormeceste aqui… Queres alguma coisa?
Matie – Não, obrigada – diz tentando abrir os olhos
Fi – Tens a certeza? Nem um café?
Matie – Sim, um café aceito…
Fi – Queres que te vá buscar ou vamos as duas?
Matie – Vens comigo?
Fi – Claro, vamos! – disse erguendo-lhe a mão
Matie – Obrigada – diz agarrando a minha mão

Mantivemo-nos em silêncio até à máquina do café e o mesmo se repetiu até ao quarto do Bernardo.

Fi – Bem, vou andando para a sala de espera…
Matie – Não, fica aqui… connosco… - diz com um olhar suplicante
Fi – Mas eu… - olhei-a nos olhos e aquele olhar… Eu não conseguia dizer-lhe que não – Claro, eu fico aqui convosco – disse sentando-me ao lado da Matie

Não proferimos uma palavra e não nos encaramos uma única vez, o nosso olhar estava centrado no Bernas. Estávamos perdidas em pensamentos, em recordações sendo estas boas e más, mas não conseguíamos tirar da cabeça o que tinha acontecido hoje e como tudo tinha acontecido, ainda parecia tudo surreal… Com tantos pensamentos misturados com o cansaço e com o silêncio, acabámos por adormecer, até que somos acordadas por uma voz que nos fez saltar da cadeira.

Bernas – Onde é que eu estou? Porque é que estou ligado a isto?

Eu e a Matie olhámo-nos aterrorizadas! Seria aquilo um sonho? Seria aquilo real? E o que é que fazíamos agora? Se calhar seria uma partida do nosso subconsciente… E se fosse mesmo verdade? Estava finalmente a mentalizar-me de que ele poderia ficar assim para sempre e ouço a falar? Ok, eu só podia estar doente… Estarei a delirar? Mas a Matie também não diz nada, não fala, não se mexe, está como eu! Eu só posso estar a sonhar…

3 comentários:

  1. Mais um grande capítulo, meu amor! E agora? É mesmo o Bernardo ou é um sonho? :o
    Beijinho *

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  2. Olá Di, encontrei o teu blog à pouco tempo mas hoje finalmente tive tempo para me dedicar inteiramente a ele ;) Bem o que posso eu dizer, estou completamente :o é fantástica a tua fic! Consegui sentir o que cada um sentia no momento, fartei-me de rir com certas expressões e até mesmo chorar! Continua porque está fantástica e já agora era um sonho não? Fico à espera :)

    Aproveito para te deixar o link do meu blog: http://in-the-end3.blogspot.com quando poderes passa por lá e deixa também a tua opinião!!!

    Beijinho e vou ficar atenta *
    Anni ;D

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  3. # Comecei hoje a ler os teus capítulos... a história é muito tocante...
    Na leitura ainda só vou por aqui... Mas dá para ver que escreves bem e que fascinas um leitor*-* Pois senão tinha me limitado a ler só o 1ºcapitulo e nada mais...

    Já sabes continua(:

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