quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Capítulo 5 - Mas eu ouvi, ouvi tudo!

Fi:

Ainda estava estupefacta, não acreditava no que acabara de ouvir! Seria aquilo real ou estaria a sonhar? É que é completamente impossível ser o Bernas, quer dizer, ele está em coma! Mas ele não há-de ficar assim para sempre, ele um dia tinha que acordar, não é? Parece que a Matie está a pensar no mesmo que eu, nem conseguimos olhar para a cama, ambas partilhamos o mesmo medo, o mesmo terror.

Bernas – O que é que se passa? – perguntou desesperado

Eu e a Matie instintivamente olhámo-nos e de repente o nosso olhar e o nosso pensamento ficou fixo no Bernardo.

Bernas – Meninas?
Fi – Eu… eu vou chamar um médico, a minha mãe, sei lá… - disse dirigindo-me até à porta do quarto
Matie – Não me deixes aqui! Assim…
Fi – Tenho que chamar alguém! – disse enquanto corria até à saída do quarto

Enquanto eu corria em busca de algum médico ou enfermeiro a Matie agarrou-se a chorar ao Bernardo e este continuava sem perceber o que se passava. Corri longos e longos corredores até encontrar alguém.

Fi: Desculpe, o meu melhor amigo acabou de acordar do coma, ele está no quarto 423.
Enfermeira – Vou já para lá! Sabe quem é o médico responsável pelo paciente?
Fi – É a minha mãe, não se preocupe, falo já com ela.
Enfermeira – Agradeço. Vou já para lá – diz começando uma corrida frenética até ao quarto do Bernardo.

Agarrei no meu telemóvel e aprecei-me a ligar para a minha mãe.

Maria – Sim?
Fi - Mãe, o Bernardo acordou! – disse assustada
Maria – Mas, isso é muito bom! Já chamaste alguém?
Fi – Sim, uma enfermeira já foi para o quarto dele – informei
Maria – Então faz o seguinte, vai à sala de espera e avisa os pais dele, eu vou já para o quarto dele. Ah e leva a Matilde contigo para a sala, ele vai ser levado para mais exames.
Fi – Sim, vou já fazer isso, obrigada!
Maria – De nada.

Assim que a minha mãe desligou comecei a correr até ao quarto do Bernardo, a Matie já se encontrava fora do quarto, suponho que tenha sido a enfermeira que pediu que esta se retirasse do quarto.

Matie – Não podemos entrar… - confessou com um ar triste
Fi – Eu sei, vinha buscar-te. Não te preocupes, a minha mãe deve estar a chegar, ela estava na sala com os médicos.
Matie – E agora?
Fi – Agora vamos para a sala de espera e avisamos toda a gente e esperamos que a minha mãe ou outro médico venha com mais notícias.

Fomos em silêncio até à sala de espera, mas agora era diferente, agora sabíamos que ele estava acordado e que estaria tudo bem com ele! Agora sim, podíamos descansar e respirar de alívio. Chegamos à sala e o ambiente estava de corta a respiração, estava muito pesado. A tristeza e o sofrimento reinavam por completo naquela sala, eu tinha que lhes dizer que o Bernardo tinha acordado, eu tinha que alegrar aquela mãe e aquele pai com o coração despedaçado por pensarem que o seu filho poderia morrer sem eles terem feito algo para o impedir.

Fi – Tenho uma boa notícia! – disse com um tom alegre, alegre demais até
Carmo – Diz lá, meu amor – diz fazendo um esforço para que parecesse entusiasmada
Fi – O Bernardo acordou do coma – disse com um sorriso
Carmo – O quê? Tens a certeza? – perguntou incrédula
Fi – Tenho tia, toda a certeza do mundo!
Carmo (com o rosto consumido pelas devastadoras lágrimas de emoção) – Oh meu Deus, obrigada! Obrigada por não me levares o meu filho! Ele é a coisa mais preciosa da minha vida!
Carlos – Deus é grande, eu sabia que Ele iria ouvir as nossas orações!
Carmo – Ai que bom! O meu menino está bem! Posso ir vê-lo?
Fi – De momento não, ele vai ser levado para fazer alguns exames. Mas não se preocupe que a minha mãe virá cá para nos dizer tudo!
Carmo – Tenho que agradecer imenso à tua mãe!
Fi – Não tem nada, tia. Descanse! O nosso menino já está acordado – disse sorrindo e ela retribuiu-me o sorriso

Esperámos durante imenso tempo, demasiado até. Estávamos todos ansiosos para saber como estava o nosso Bernardo, será que estaria tudo bem? Dentro do possível, claro. Ele tinha sido atropelado por um carro e como é óbvio estava mal, mas ao menos já tinha acordado do coma e isso sim, era a melhor coisa que tinha acontecido. Agora a sala onde nos encontrávamos já não estava insuportável, até parecia estranho. Aquela sala à menos de duas horas estava repleta de tristeza e de más energias. Mas agora… estava cheia de boas energias, de esperança e de muita felicidade (dentro dos possíveis). Mas não era só sobre isso que os meus pensamentos se guiavam, eu estava também a pensar em tudo o que tinha acontecido hoje, tinha arranjado namorado, a Matie e o Bernas tinham-se finalmente entendido, eu e o Chico tínhamo-nos chateado por um mal-entendido, ele ia dormir na minha casa, o Bernas foi atropelado e entrou em estado coma. Bem, mas que dia… Enquanto pensava nisso, a minha mãe apareceu na sala, seguida por um médio, provavelmente o mesmo médico que aparecera a algumas horas atrás.

Maria – Trago boas e más notícias…
Carmo – Ai, o que é que se passa, Dr.? – perguntou aflita
Maria – Tenha calma, a boa é que o seu filho acordou, a má é que…
Carmo – Por favor, diga de uma vez…
Maria – As lesões que ele tem são graves e ele terá de ficar mais algum tempo por aqui. O Bernardo partiu quatro costelas, partiu o braço e tem algumas lesões internas, mas nada que um bom repouso não cure
Carmo – Ainda bem, mas ele ficará cá muito mais tempo?
Maria – Mais uns cinco ou seis dias, mais acho que não
Carmo – Muito obrigada!
Maria – Não tem nada que agradecer! Se quiser já pode ir ver o seu filho…
Carmo – Sim, claro que quero!
Maria – Eu acompanho-a até lá – dirigindo-se à porta

Carmo:

Dirigia-me até ao quarto do meu filho que acabara de acordar. Estou extremamente nervosa, parece que é um reencontro, aquelas horas angustiosas de espera, mais pareciam dias. Mas o pior mesmo é saber que o meu filho está numa cama de hospital em coma e nós não podemos fazer nada, sentimo-nos impotentes. É horrível sentir isto, sentir que ele pode morrer e que eu não o posso ajudar! Porra, sou mãe dele, podia ajudar de alguma maneira, mas é impossível, no estado em que ele estava, só ele próprio se podia ajudar.
A mãe da minha querida Filipa acompanhava-me até ao quarto do meu menino e eu pensava que se não fosse aquela senhora que me acompanhava, se ela não fosse mãe da Filipa e se a Filipa não gostasse tanto do Bernardo, ele a esta hora provavelmente já nem estaria aqui… ele foi acolhido neste hospital como se fosse um filho de um médico, eu nunca vi tanta preocupação por parte de médicos e enfermeiros. Cada um que passava perguntava se queríamos alguma coisa, se estávamos bem (tendo em conta as circunstâncias), foram todos espectaculares. O meu pensamento tinha sido interrompido por uma voz

Maria – Está entregue!
Carmo – Mais uma vez, muito obrigada!
Maria – Deixe-se disso, vá ter com o seu filho – diz fazendo uma caricia no ombro de Carmo

Bati à porta e uma voz que tão bem conheço, respondeu

Bernas – Sim? – diz com um tom de voz cansado
Carmo – Posso, meu amor? – diz com as lágrimas nos olhos
Bernas – Claro, mãe! Entra! – diz tentando-se levantar
Carmo – Deixa-te estar! Pobrezinho – diz enquanto afagava as lágrimas
Bernas – Oh, mãe! Então? Não é preciso chorar, eu estou bem, não estou?
Carmo – Mas podias não estar! – diz soltando um soluço
Bernas – Mas estou! E daqui a alguns dias eu já posso sair daqui
Carmo – Mas isto foi tudo culpa minha! Porque é que eu não te fui buscar? – diz culpando-se
Bernas – Porque era assim que estava destinado, tudo tem uma razão e o que não nos mata torna-nos mais fortes e eu estou mais forte que nunca – diz rindo
Carmo – Agora ris, mas podias estar a chorar… quer dizer, em coma não fazias nada!
Bernas – Mas mãe, não podes pensar assim. E se aqui alguém tem culpa, esse alguém sou eu! Quis ir levar a Matie a casa e quando ia a atravessar a rua, vi o autocarro na paragem e comecei a correr sem olhar para ver se vinha um carro e pumba, fui atropelado. A culpa é toda minha, não tua!
Carmo – Mas qual era a tua ideia de começares a correr no meio da estrada? – diz com um tom autoritário
Bernas – Eish oh mãe! Achas que a lição que levei não chega?
Carmo – Tens razão, desculpa meu amor – diz abraçando-lhe
Bernas – Mãe… - diz olhando fixamente para Carmo
Carmo – O que é que me vais pedir? – diz revirando os olhos
Bernas – Duas coisas… - diz fazendo cara de menino
Carmo – Bem! Vê-la, não queres mais? – diz com ar irónico
Bernas – Por acaso até… - mas é interrompido
Carmo – Vá, diz lá o que é que queres?
Bernas – Sabes… Bem… Como é que eu…
Carmo – Era hoje!
Bernas – Porra! Pronto, a Matie está lá fora, não está? – diz ficando corado
Carmo – A Matilde?
Bernas – Sim, essa… – diz ficando ainda mais vermelho
Carmo – Sim, e ela já esteve aqui contigo e tudo…
Bernas – Ahhhh, então faz sentido… Podes chamar a Fi? Preciso mesmo de lhe dizer uma coisa…
Carmo – Sim, claro que posso!
Bernas – Obrigado, mãe.
Carmo – De nada – disse enquanto me dirigia à porta

Mas quem é que seria aquela rapariga? A tal Matilde… Seria namorada dele? Acho que não, ele é um bocado tonto para uma rapariga tão bonita e delicada gostar dele. Até parece mal dizer isto do meu menino, coitadinho! Pensava em quem seria a rapariga até chegar à sala de espera e informar a Filipa que o meu filho estava à espera dela. Coitadinha, ela também sofreu tanto com isto!

Carmo – Filipa, querida! – chamei-a
Filipa – Diga, tia
Carmo – O Bernardo quer falar contigo – assim que disse tal coisa, a Matilde olhou para mim com um olhar suplicante – E perguntou por ti minha querida – disse olhando para a Matilde
Filipa – Vou já vê-lo, obrigada tia! Com licença
Carmo – Vai, vai.

Filipa:

Ai que bom, o meu menino já está bom! O que é que ele quererá falar comigo? Podia ter mandado chamar a Matie primeiro, eu não ficava chateada… quer dizer… se calhar até ficava, mas só um bocadinho. Estou tão ansiosa para o ver, parece que ele foi para fora durante alguns anos e que vou voltar a vê-lo! Bati à porta e fiquei à espera que alguém falasse.

Bernas – Estás à espera de um convite por escrito?
Fi – Não era nada mal pensado – disse rindo
Bernas – És mesmo parva, miúda!
Fi – Como é que tu estás?
Bernas (soltou uma gargalhada) – Au! Estou bem, estou deitado numa cama de hospital, com isto na mão e acabei de acordar do coma e tu?
Fi – Ai que estúpido!
Bernas – Estava só a brincar, tem calma
Fi – O que vale é que tu levas tudo na brincadeira, nós ficamos mesmo preocupados! – disse irritada
Bernas – Eu sei, acredita.
Fi – Não, não sabes!
Bernas – Sei sim, podes ter a certeza. Ah e já agora, eu consigo.
Fi – Hã?
Bernas – Sim, tu disseste que não sabias se eu te conseguia ouvir, mas eu ouvi, ouvi tudo!
Fi – A sério? – disse emocionada
Bernas – Sim, ouvi tudo! Tu és mesmo tonta, anda cá – diz abrindo os braços para um abraço
Fi – Oh, meu amor!
Maria – Vá, já chega. O nosso doente tem que descansar e aqui a menina tem que dormir – diz a minha mãe encostada à ombreira da porta
Bernas – A tua mãe tem toda a razão!
Fi – Bonito! Dois contra uma – disse fingindo-me amuada
Maria – Vá, vai lá para casa. Os pais do Bernardo só se vêm cá despedir e depois vão para casa e tu, a Matilde e o Francisco vão para casa de táxi ou querem boleia?
Fi – Não…! Nós vamos de táxi… - disse atrapalhada
Maria – Tens a certeza?
Fi – Tenho! Não se preocupe, nós vamos de táxi…
Maria – Tens a certeza?
Fi – Sim, sim!

Despedi-me do Bernas e dirigi-me à sala de espera. Claro que a minha mãe não me podia levar a casa! O Chico ia lá dormir comigo…

Chico – Vamos?
Fi – Sim, vamos! Matie, vens connosco?
Matie – Sim, como moramos perto uma da outra apanhamos o mesmo táxi.
Fi – Está bem. Já chamaram o táxi?
Chico – Sim, já está lá fora. A tua mãe é que o chamou.
Fi – Está bem, vou só despedir-me dos meus tios.

Despedi-me de todos e combinamos encontrar-nos amanhã por volta das 16h que era a hora das visitas. Fomos em silêncio até ao táxi, onde permanecemos assim até este parar na minha rua. O que é que iria acontecer? O Chico iria dormir comigo? Ou ia para casa? Como é que aquela noite… neste caso, madrugada iria acabar?